segunda-feira, 27 de março de 2017

As mulheres e a atual conjuntuntura política brasileira

O artigo As Feministas da África Influenciam o Feminismo Global, da Professoa Aili Tripp, publicado pela Carta Capital, resume dados surpreendentes do movimento feminista africano. Para a autora, o movimento feminista do hemisfério sul tem seus próprios objetivos e fontes de inspiração e tem contribuído, de forma muito significativa, para a compreensão global dos direitos das mulheres.
Segundo Tripp, as mulheres africanas ocupam atualmente lugar de destaque em postos de liderança política e de comando de empresas e outras organizações, em vários países, incluídos países de maioria Muçulmana.
A Presidente da Libéria é Ellen Johnson Sirleaf, uma das vencedoras do prêmio Nobel da Paz de 2011;
Em Ruanda, 62% dos assentos parlamentares daquele país, é ocupado por mulheres, o nível mais elevado do mundo;.
No Senegal, na África do Sul, na Namíbia e em Moçambique, mais de 40% das vagas no Parlamento são preenchidas por mulheres. No Brasil é de 10% segundo o site do Congresso em Foco;
Um quinto dos parlamentos africanos possui mulheres como presidentas da Câmara, superior à média mundial, que é de 14%. No Brasil as mulheres nunca presidiram a Câmara Federal.
E isso não levou muito tempo para ocorrer. Segundo a autora, na Argélia, por exemplo, em 1987 apenas 2% do parlamento era ocupado por mulheres, em 2012 esse percentual subiu para 32%. Esses aumentos ocorreram de forma mais intensa nos países recém saídos de conflitos internos.

Também nos organismo regionais, as mulheres africanas têm ocupado lugar de destaque. Na Comissão da União Africana, ocupam 50% dos assentos, superior a organismos similares na Europa e América, e já exerceram a presidência do órgão.

Além dos círculos políticos, as mulheres têm comandado outras áreas de negócio. A professora Tripp cita o caso da empresária do agro-negócio, Esther Ocloo, de Gana, que procurou formalizar as associações locais de crédito das mulheres e em 1979 tornou-se integrante fundadora de um dos primeiros bancos de microcrédito, o Women’s World Banking. Atualmente, os países africanos têm número quase igual de homens e mulheres empreendedores, com destaque para Gana, Nigéria e Zâmbia, onde, segundo o Global Entrepreneurship Monitor, a quantidade de mulheres empreendedoras ultrapassa a dos homens.

O livro Women’s Activism in Africa, citado no artigo, aprofunda o estudo sobre como está crescendo em toda a África a união das mulheres para fazerem ouvir suas vozes e mobilizar a população em torno de causas que tratam da democracia, dos direitos à Terra e da violência doméstica. 

Ao ler esse artigo procurei relacionar os dados apresentados com outros obtidos de um outro livro  Democracy for Realisty, que faz um debate sobre a democracia real. O que me instigou nessa comparação foi, ao analisar um gráfico incluído no livro, que consolida dados de uma pesquisa que procurou ouvir pessoas de vários países (o Brasil não está incluído) sobre a importância da democracia e a percepção que eles têm de quanto seu país é democrata, figuram de forma surpreendente até para os autores, países africanos, como Ruanda e Gana, nos quais a percepção e o ideal de democracia são muito próximos e elevados, situando-se em patamares próximos à Suécia.

Não se pode, a priori, estabelecer qualquer relação entre essas duas informações, maior participação das mulheres na politica e nos negócios e maior percepção da democracia, sem um estudo mais aprofundado. Porém, com os rumos que a política no mundo tem tomado, historicamente hegemonizada por homens, fortemente marcada por conflitos, soa como um alento de esperança.

Que os ventos do feminismo da mãe África, que, por razões históricas, guarda tanta identidade com esse novo mundo, possa sacudir os rumos da política no continente americano. Especialmente nos dois maiores implantes europeus, o Brasil e os Estados Unidos, atualmente governados por uma maioria de homens brancos e que têm demonstrado profundo desprezo pela democracia e pela população, especialmente as mulheres.

Que esse ventos possam impulsionar as mulheres brasileiras a um maior protagonismo na política, incorporando os saberes vindos da África que, de forma muito rápida, ampliou de forma expressiva, a participação feminina no comando da política e da economia, preservando, porém, sua forma feminina de pensar, como sugere Chimamanda Ngozi Adichie no filme Todos Devemos Ser Feminista

Um comentário:

  1. Companheiro Hercilio,

    Parabéns pela valorização, divulgação e estímulo para a discussão desses temas. Não me sinto minimamente capacitado para discorrer sobre eles, no máximo arrisco algumas suposições a título de desdobrar a conversa, sem qualquer outra presunção.

    Não sei de estudos sobre a percepção que a nossa sociedade tem dela mesma e, particularmente, sobre a democracia em nosso país. É possível que existam trabalhos nessa linha produzidos nas universidades. Há muita coisa boa sendo produzida nesses ambientes, mas com as dificuldades de divulgação conhecemos. Se existir alguma iniciativa governamental deve estar sendo inibida nesse pacote de decisões visando o nosso rumo em direção a mediocridade. Tomara que eu esteja errado porque seria ótimo que o nosso autorretrato social fosse tema especial nos debates políticos.

    Quanto à representação feminina nas instâncias formais da nossa organização social, suponho que existam dados consistentes – ressalvo que me refiro às instâncias formais. Essas instâncias refletem a organização da produção da nossa riqueza, e uma característica de sociedades dependentes como a nossa é se organizar, quase exclusivamente, valorizando os aspectos socioeconômicos da produção e colocando em planos inferiores os aspectos da distribuição da riqueza. Então, suponho que existam dados consistentes sobre a representação sociopolítica e socioeconômica das mulheres, quantas ocupam quais postos etc. Contudo, o nosso dia-a-dia nos dá prova cabal que tal representação é mínima.

    Por último e, ao meu juízo, o mais relevante seria saber como as mulheres brasileiras se identificam com essas representações, as poucas que existem. Não apenas no aspecto quantitativo, mas também nos aspectos qualitativos. Ouso dizer que a identificação deve ser quase nenhuma.

    O feminismo ainda é um tema distante das discussões em nossa sociedade, ainda que institucionalmente existam conquistas importantes. Mesmo temas que historicamente ocupam planos secundários como é o caso da questão ambiental e dos preconceitos raciais, cujo nível de debates ainda está muito aquém do necessário, mesmo esses temas já saltaram das páginas oficiais dos registros legais e vem se popularizando, ocupando as bancas de jornal. As discussões sobre o feminismo ainda se arrastam. O feminismo propriamente dito, com todas as implicações que ele carrega, parece ser um tema mais tabu do que questões relacionadas com a sexualidade, por mais contraditório que isso pareça.

    Copiando uma observação que li em uma entrevista, nesta semana, com a filósofa e teóloga, Ivone Gebara, as questões que geralmente são associadas ao feminismo ainda estão focadas em uma problemática geral, e a problemática geral, diz Ivone Gebara, é masculina. Segundo ela, a percepção desse fato mudou até a sua relação com o mundo da religião.

    Enfim, essas são as observações que tenho nesse momento. Poderíamos desdobrá-las, mas em outros espaços. Parabéns, novamente, pela promoção do tema para debates. (Jorge Santos)

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