umair haque
Tradução livre Hercílio Maciel
Um amigo disse no twitter, na última noite “Entendo o ponto de
vista de Umair sobre a América. Porém não consigo entender porque
a Europa não está sendo acometida pelo colapso americano também.
Você
pode pensar, lendo recentes ensaios, que eu suponho que a Europa
(Canadá, Ásia, qualquer outro) está imune ao que os Estados Unidos
estão passando. Desculpe-me se lhe dei essa impressão. Ninguém
está imune. De modo algum. Tenho falado longamente que o fascismo
pode ser definidor das nossas vidas adultas – globalmente. E,
certamente, ainda o vemos crescendo na Europa. Assim a sombria
realidade é algo mais parecido com isso. O colapso americano pode
muito bem chegar a um país próximo a você – independente do quão
sofisticado, gentil ou sensato seja.
Porém
eu quero realmente entender porque, eu não quero palavras que te
toquem – assim estou indo começar do início.
Vamos pensa sobre os Estados Unidos, e a lição que aprendemos para o momento. Se formos honestos, um estado apartheid até 1971. Isto significa,
obviamente, que enquanto os países europeus estavam construindo bens
públicos – serviços de saúde, aposentadorias, redes de
seguridade, etc o qual começou em 1920 em alguns lugares e em 1950
em outros – a América não podia. Porque esses bens ou são para
todos ou não são para ninguém. Assim sendo, o preço de ser um
estado apartheid é também uma falha para desenvolver grandes
sistemas de bens públicos, os quais são a chave para realmente
assegurar prosperidade – muito mais que o desenvolvimento de
inovações e crescimento (você pode comer um iPhone? Pode tratar um
câncer no Facebook?)
O
presente da genuína igualdade, em outras palavras, é o povo poder
investir uns nos outros em vez de explorar uns aos outros. Esta é a
grande lição do século 20 – e infelizmente, é ainda
desaprendida. Somente a Europa entendeu isso – e mesmo assim muito
pouco e muito raramente.
Os Estados Unidos é o primeiro a cair no
fascismo porque teve poucas décadas para aplicar a grande lição do
século XX – somente a verdadeira igualdade torna a modernidade
possível. Tem, talvez, trinta e poucos anos tentando ser uma
sociedade genuinamente moderna e civilizada. O que significa pessoas
investindo seus excedentes uns nos outros, através de bens públicos,
o que eles só podem fazer se são verdadeiramente iguais. A
civilização só estava dentro do reino da possibilidade nos Estados
Unidos a partir de 1980 até próximo a 2010 – diferente da Europa.
Isto é a grande maldição da América que os americanos ainda não
entenderam.
O
que aconteceu próximo a 2010? A austeridade começou. Alguns bens
públicos começaram a ser cortados enquanto os bancos eram
socorridos em massa. O resultado é que uma nova espécie de pobreza
explodiu na América – precariedade. As pessoas começaram a viver
no limite da sobrevivência, a cada dia, até hoje, proximamente cada
um – 80% das pessoas – vive da mão pra boca. Isto que muitos
viveram também na Inglaterra Vitoriana. Em outras palavras, os
Estados Unidos regressaram um século em apenas uma década.
Porque
os Estados Unidos é assim vulnerável ao fascismo? Porque 30 anos
não é um longo tempo, não é? Americanos ficaram pobres de
repente, porque nunca tinham sido ricos. Eles tiveram 30 anos para
tentar acumular poupança, renda e ativos – porém isso não foi
suficiente, especialmente numa sociedade sem bens públicos, onde você
está pagando pelos cuidados com a saúde, para realmente construir
muita coisa. E a classe média implodiu facilmente, rapidamente e
catastroficamente.
O
que fez a classe média implodida? Tornaram-se fascistas.
Transformaram o luto em injustiça, culpando bodes expiatórios por
seus sofrimentos. Fascistas prometem aos que sofreram mobilidade para
baixo que eles serão grandes novamente – que eles crescerão
culturalmente e triunfarão socialmente, um renascimento simbólico e
economicamente renovado. É um apelo poderoso para pessoas que,
rapidamente, ficaram em choque, que caíram fora do que aparentava
ser um lindo céu azul. Quem irá salvá-las? Quem irá resgatá-las? Para
entender o fascismo tem que entender que a mente desse grande estrato
da sociedade simplesmente parou de trabalhar. Estas mentes
transbordam de mágoas, odeiam inimigos imaginários que os estão
perseguindo, vitimando-os e os fazendo sofrer na sua não existência
e que precisam destruí-los primeiro, exterminá-los – não é algo
que se pareça com pensamento coerente, razão lógica ou sanidade
moral.
Deixe-me
ligar todos esses pontos, porque eles são sutis. 1971 – o fim da
segregação. 2010 – o começo da austeridade. Entre eles apenas 30
anos sendo uma sociedade próspera e moderna. Isto não deu às
pessoas tempo suficiente para poupar, investir e acumular suficiente
para protegê-las da pobreza. A classe média implodiu como os bancos
foram socorridos e a economia entrou em reversão. Empurradas para
baixo, despedaçadas, virou fascista por salvação. Você vê como
tudo isso se encaixa?
Agora
vamos para a Europa. O que a Europa tem que os Estados Unidos não
têm? Eles têm um longo período sendo um conjunto moderno e
civilizado de sociedades. Lá, grandes bens públicos – cuidados
com a saúde, educação, aposentadoria e assim por diante – foram
construídos ao longo do século 20. Assim, os europeus têm algo
entre 70 e 100 anos sendo modernos, onde os americanos têm meros 30
anos.
Com isso a Europa foi bem-sucedida, tornando-se moderna.
Realmente, a grande construção de bens públicos – o que a
América nunca fez, só parcialmente porque não teve tempo
suficiente.Estes
bens públicos têm tornado os europeus mais seguros. Eles têm altas
rendas, mais propriedades de casas, mais poupanças, e assim por
diante. Novamente a lição: verdadeira igualdade, real prosperidade.
Todas essas coisas dá à Europa uma rede de segurança contra
o fascismo. Mas eles não estão protegidos absolutamente ou
protegidos para sempre.
O problema é que nesse momento a renda está
estagnada em todo o mundo – incluso a Europa. Dai o fato de
estarmos assistindo por lá o fascismo crescer em, digamos, Itália,
Grécia inclusive na Suécia.
Americanos
não têm rede de proteção contra o fascismo qualquer que seja.
Trinta anos de modernidade, com meros 30 anos para construir alguns
bens públicos e o crash. Bang! O cidadão médio
sentiu em pleno século 21 a pobreza a partir de 2010. O uivo do
fascismo surgiu apenas 5 anos após.
Europeus têm uma poderosa rede
de salvaguardas. Setenta anos de modernidade possibilitou a
construção de robustos bens públicos. Alta poupança, renda e mais
posses. Porém o crash chegou até eles também. O cidadão
médio de lá sentiu que também caiu na pobreza do século 21. Ele
tende ficar inalterado – mas está se tornando difícil fazer face
às despesas, graças à austeridade, ao neoliberalismo, monopólio e
assim por diante. Bang! Eles estão migrando para o fascismo
também do mesmo modo que os Estados Unidos. A
Alemanha deprimida fácil, a Suécia industrial, a deprimida Grécia.
O cinto de ferrugem da América quebrada. Você vê a ligação?
A
pergunta é esta. Quanto tempo dura a rede de proteção da Europa?
Quanta proteção os europeus realmente têm? Pense o fascismo como
um tubarão ou um dragão, corroendo essa rede. Ela não durará para
sempre.
Minha estimativa é que os europeus têm 5 anos de proteção,
comparado a América. É apenas uma estimativa – da mesma maneira
que um médico estima quanto tempo você tem de vida com um câncer.
É muito subjetivo – ainda, algumas poucas pessoas previram
fascismo na América, e eu fui uma delas. Assim, 5 anos – mas não
de agora, a partir do começo do fascismo americano, o qual começou
há 2 anos.
Por isto é que já está sendo visto o fascismo europeu crescendo tão
forte e violentamente. A rede de proteção que a Europa tem contra o
fascismo está sendo corroída. A estagnação está devorando a
seguridade e a segurança europeia. A classe média, em alguns
lugares, está movendo-se para baixo – ou menos aspirações estão
se transformando em esperanças frustradas.
Uma das grandes vantagens que a Europa tem em relação aos Estados
Unidos é que – para ser franco – não se orgulha da ignorância.
Assim os europeus podem entender tudo isso, uma vez que lhes seja
explicado – diferente dos americanos, os quais, não importa
quantas vezes alguém tente explicar, não ouvem, não querem ouvir e
podendo ouvir não conseguem entender.
A Europa não é tão
insensata quanto os Estados Unidos e tem pensado nisso antes. A
questão, entretanto, é esta. Pode a Europa fazer crescer o
investimento em si mesma? Ela pode investir em coisas corretas,
sábias e decentes? Pode investir, exatamente como fez nos últimos
setenta anos, porém melhor, mais forte e mais robusta e de forma
mais ampla, em profundos bens públicos? O qual dá às pessoas o
pleno sentido da verdadeira proteção e segurança - econômica, a
qual se torna social, psicológica, cultural – que elas não devem
migrar para o fascismo para amenizar medos que se tornam paranoicos,
delirantes, exagerado nas queixas - tão grandes e ameaçadoras,
imaginadas por serem tão perigosas, tornam-se grandes complexos de
perseguição psicológica, que deixam as pessoas incapazes de pensar
ou raciocinar, apenas capazes de odiar e destruir, como na América,
aquela terra de loucura, ganância e ignorância?
Se
não puder, é muito simples. O colapso americano está chegando a um
país próximo a você.
Umair
Agosto
2018
Tradução
livre: Hercílio Maciel
Setembro 2018
Artigo original
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